segunda-feira, 1 de setembro de 2025

(UM) ENSAIO SOBRE A CEGUEIRA

Foi em 2012 quando pisamos em Belo Horizonte com o projeto Lê Pra Mim?, que incentiva a leitura de livros brasileiros. Levamos sempre alunos de escolas públicas e, em BH, realizamos no Museu de Artes e Ofícios. Teuda Bara e Inês Peixoto, divas das artes cênicas, nos deram o prazer e a honra de lerem para as crianças, dentro do Lê Pra Mim?. Como ficamos tão amistosos naquele dia “ines-quecível”,  Sônia de Paula e eu fomos convidados a assistir, dentro do galpão do Grupo Galpão, um ensaio de Teuda em seu monólogo que iria estrear e rodar o país. Me senti um privilegiado, sentado ao lado da equipe do Galpão, para assistir a este ensaio-aula que foi. Sem falar no gigantesco prazer e honra de estar dentro da casa do Grupo Galpão, onde a arte vibra pelas paredes, tetos e estruturas.

O Grupo Galpão costuma convidar diretores para experimentações teatrais que geram – sempre! - grandes sucessos nacionais. Tive o privilégio de assistir a “Romeu e Julieta” de Shakespeare, “Os Gigantes da Montanha” de Luigi Pirandello – ambos dirigidos por Gabriel Vilella (para ver Os Gigantes no Rio, a plateia sentou na escadaria do Monumento aos Pracinhas no Aterro do Flamengo ao ar livre!), “Tio Vânia” dirigido por Yara de Novaes, “Nós” dirigido por Márcio Abreu, “Cabaré Coragem” dirigido por Júlio Maciel, e agora “(Um) Ensaio sobre a cegueira” dirigido por Rodrigo Portella.

Este espaço onde escrevo sobre teatro, me serve como memória do que assisti, gostei e indico para meus 3 leitores assíduos. Posto isso, como diria Odete Roitman, não tenho lastro nem monta para tecer criticas profissionais ao trabalho de ninguém, mas me reservo ao direito de, usando de minha liberdade de expressão, auditável e digital, e sempre dentro das quatro linhas da constituição (entendedores entenderão), opino sobre as peças de teatro que marcam minha vida artística de espectador profissional.

E chego a Saramago, Galpão e Rodrigo Portella. (Um) Ensaio sobre a Cegueira, em cartaz no Rio de Janeiro, no teatro Carlos Gomes, é uma adaptação do livro de José Saramago (que eu li e amo), para o teatro. Já tivemos cinema, mas certamente a adaptação teatral é muito mais rica e forte que o filme. Rodrigo seleciona as partes mais atordoantes do livro, onde os seres humanos são postos à prova o tempo todo, antes, durante e depois de passarem por um surto coletivo de cegueira leitosa branca nos olhos dos personagens. Sem spoiler, leiam Saramago, ou assistam ao filme. Rodrigo Portella faz milagre com muita competência, amor ao livro e, principalmente uma segurança sem tamanho do que apresenta para o público.

Rodrigo Portella também dirige. Senhores. Senhoras. Senhoros... o que assistimos no teatro - no último domingo - é de uma riqueza, beleza, naturalidade, competência, carinho e amor ao teatro, que não se tem como escrever sem usar todo o dicionário de palavras elogiosas. 

É emocionante ver como Rodrigo Portella entende que o Galpão é grupo. Ele inclui a plateia no espetáculo, não casualmente, mas literalmente. Pequena parte do público sobe ao palco para participar das cenas mais marcantes do espetáculo. A cena da volta das mulheres que serviram de moeda de troca por comida – onde todas limpam a que mais sofre – é dessas que ficarão para sempre na memória de quem assiste; a cena imediatamente antes desta, totalmente muda, em que o público fica quase 2 minutos em silêncio, angustiado, compenetrado, assistindo e compartilhando sentimentos; na mistura de narrações com diálogos; no arrumar do cenário vindo do fundo do palco desnudo, enfim... só de escrever, me arrepio. Ao final, a plateia, em convulsão, está toda integrada, conquistada, sequestrada por emoções e questionamentos sobre como os humanos podem passar de “cidadãos de bem” a “demônios da tasmânia”. Uma direção acertada, bem feita, detalhista, inclusiva, competente, ousada e ao mesmo tempo segura e tranquila. A gente sabe o trabalho que dá, mas o que Rodrigo nos mostra, é que tudo foi fácil, rapido e limpo. É impossível ver as dores dos ensaios, pois a alegria, entrega e parceria do Grupo Galpão com a direção é perfeita (não existe outra palavra).

O Grupo Galpão, para mim, é uma das três trupes teatrais que eu mais admiro, respeito, sigo, assisto e sou fã. Todos, absolutamente todos, sabem atuar e como se portar no palco. Não interpretam, eles vivem. Antônio Edson, Eduardo Moreira, Fernanda Vianna, Inês Peixoto, Júlio Maciel, Luiz Rocha, Lydia Del Picchia, Paulo André / Rodolfo Vaz e Simone Ordones são todos, todos, todos, atores espetaculares. Não tem uma frase dita de maneira errônea, não tem uma entonação diferente do que tem que ser, não tem uma movimentação corporal gratuita. Eles não só sabem o que estão fazendo, como se divertem, são disciplinados, colegas, únicos e fazem com muito amor. É tanto amor no palco entre si, pela profissão que escolheram, pelo público, pelo colega, pelo teatro, pela direção, por Saramago, que a gente sente. Sim, nós, público, sentimos. É energia vibracional vinda do palco. É amor. É teatro.

Cabe citar o cenário de Marcelo Alvarenga, a luz de Rodrigo Marçal com o diretor, o figurino de Gilma Oliveira, os adereços de Rai Bento, o visagismo de Gabriela Domingues, a sensacional Direção Musical de Frederico Puppi e a movimentação dos atores. Toda uma equipe unida e acertada.

É preciso finalizar o texto, mas não consigo parar de pensar na peça que assisti: no final apoteótico onde público e atores saem do Sanatório juntos, nos abraços ao fim da peça, no respeito e carinho com os espectadores, nas lágrimas durante, é tudo sensacional. Tudo.

Me alonguei porque é o Grupo Galpão, é Saramago e é Rodrigo Portella.

Este espetáculo é daqueles em que os deuses do teatro se sentem orgulhosos. É mais que celebração. É amor mesmo. Puro e coletivo. É profissionalismo e arte. Eu só tenho a agradecer por ter assistido, presenciado e vivido esta experiência teatral. Muito, muito, muito obrigado. Aplausos de pé sem fim. Viva o Galpão! Viva o Teatro!


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