domingo, 1 de fevereiro de 2009

TRAIÇÃO

Qdo escrevi a opinião abaixo, Pinter ainda era vivo. Triste noticia.

A boa, é que Leonardo Franco, Ary Coslov e Marcos Flaksman foram indicados para o prêmio Shwll de teatro por este trabalho.

Não é de hoje que as peças inglesas tem suas montagens muito bem cuidadas nos palcos do Rio. E essa nao é diferente. Uma linda montagem de Harold Pinter, um super-autor que ja ganhou o Prêmio Nobel de Literatura, precisa dizer mais? Sim. Pinter escreve aquilo que a gente vê na rua. Em uma entrevista dele, disse que presenciou uma conversa entre duas mulheres no metrô e... bingo, lá estava um texto de teatro. É assim que a banda toca. Vendo e observando o que a vida nos diz, nos ilustra, e Pinter faz com maestria. Seu texto é leve, rápido, inteligente, crível e instigante. A gente nao para de pensar em "como é que isso vai acabar", e fica imaginando o fim da historia e os rumos que aquelas vidas podem dar. O que eu mais gosto nesse texto é que ele é contado de trás prá frente. Calma, nao estraguei nada. Desde o início a gente sabe. Além de estar no programa, no palco já se vê a passagem de tempo, pra trás. Existem na história várias traições. Cada uma ao seu tempo. A traição do amigo, da esposa, do amante, da amante, do marido, e até mesmo a traição do tempo.

A direção do Ary Coslov é impecável. De uma qualidade, uma elegância, uma calma, uma dedicação que poucas vezes vemos no palco. As cenas montadas estao sempre sendo bem tratadas, as posições dos atores no palco, a entonação de cada frase, o comportamento e as reações de cada personagem sao tratadas de maneira elegante e simples ao mesmo tempo. Sem duvida nenhuma uma direção responsável por toda a elegancia, e a parte técnica excepcionalmente correta de todo o espetáculo. Vai ganhar premio, anota ai.

A cenografia, do Marcos Flaksman é linda. Tudo sai de um super armário ao fundo, onde cada peça, lindamente escolhida, espera o seu momento de entrar em cena. Tudo isso muito bem arrumado, sem pressa, com elegância, por um contra-regra ator, que, ao subir as escadas para mudar o tempo, dá uma pausa de respeito ao proprio tempo e limita passado e presente. Gosto quando o cenário é montado aos olhos do publico. Nós já começamos a perceber que aquela cama é de tal ambiente, o sofá do outro, a mesa daquele. Isso traz a platéia pra dentro do palco. Ficamos íntimos ao espetáculo. Logico que tem dedo do Ary nessa historia. Ponto para os meninos!

O figurino é elegantissimo! Supercorreto quando se trata de verão, inverno, clima ameno, época, qualidade dos materiais escolhidos, leveza e cores. Muito bom gosto. A luz do Aurélio de Simoni, como sempre valoriza os espaços, valoriza o trabalho dos atores, valoriza a direção e valoriza o figurino. Com isso ela, a luz, ao mesmo tempo que valoriza as outras qualidades da peça, se valoriza por estar presente, iluminando sem ofuscar. Linda luz.

Vale destacar também a trilha sonora composta de cançoes dos anos 70, época da peça, pautadas em Erik Clapton e Rolling Stones, mais inglês impossivel.

É na interpretação dos atores que a direção tem a sua maior aliada. Todos, sem excessao, estao muito bem. Em ordem crescente de qualidade, Isabella Parkinson é a que, algumas vezes, se perde um pouco, ou perde um pouco das entonações corretas das frases e palavras, mas sua atuação no todo garante seu talento de boa atriz. Isio Ghelman é a personificação do personagem Jerry. Consegue entrar de tal forma no personagem que a gente nao sabe se ele é Isio ou se Isio é ele. Compreendemos tudo o que ele faz no palco. As suas atitudes estao sempre de acordo com cada cena. Um belo trabalho. Mas é Leonardo Franco quem rouba a cena. É sem duvida nenhuma uma peça divisora de águas na vida deste grande ator. Sempre fui fã do Leonardo, mas agora, depois de tê-lo aplaudido de pé, tenho certeza que seu talento irá ser reconhecido nos 4 cantos deste Brasil varonil. Um trabalho para prêmio. Uma indicação já será um reconhecimento, mas o prêmio é mais que justo. Sua qualidade de interpretação em cena é tão correta, tão elegante, que ficamos sem saber se o diretor teve trabalho para domar Leonardo ou se Leonardo botou o diretor no bolso e toda a peça saiu atrás de seu talento para ser encenada. Parabéns ao elenco.

Um espetáculo elegante, bonito, correto, lindo e que nos faz pensar (afinal a função do teatro é essa...) sobre as traições nossas de cada dia. Imperdível, nota 10.

Até a proxima.

TRAIÇÃO - Solar de Botafogo, de quinta a sábado 21h30 e domingo às 20h30

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