domingo, 17 de janeiro de 2010

NO PIANO DA PATROA

Aos nove anos de idade minha avó subiu pela primeira vez no Theatro Municipal do Rio de Janeiro para sua primeira audição de piano com orquestra. Segundo relatos da própria, ela ensaiava mais de 8 horas de piano por dia! O tempo passou, ela casou, e seu primeiro marido deu o primeiro ultimato, ou o piano ou eu. Foi o primeiro golpe na vida da minha avó. Ela, nascida em 1915 e criada sob a rigidez da primeira metade do século XX, abaixou a cabeça para o marido e adeus palcos. Início de sua loucura.

Vovó teve mamãe, que me teve. Primeiro filho, primeiro neto, primeiro sobrinho. Primeiro tudo. Logicamente, "meu neto tem q tocar piano". Lá fui eu apresentado ao piano Essenfelder da minha vó. Estudei, ensaiei, treinei, conheci Bach, Mozart, Lizt, Shubert, Strauss e tantos outros compositores por poucos meses. O suficiente para aprender a ler partitura, tocar o bife, dois prelúdios, uma mazurca, duas melodias e "Pour Elise", de Beethoven. Alias, vovó ficava puta, pois tudo nas minhas mãos, e no piano, virava can-can... E eu ficava puto quando tinha que tocar piano no Natal para mostrar o que sabia. Até a primeira musica eu ia, mas depois... Can Can!

Tivemos um piano de armário e papai e eu tiramos "de ouvido" várias canções, entre elas "Anos Dourados", de Tom Jobim. Parei de estudar piano, vovó mudou de apartamento e vi seu Essenfelder de 1/4 de cauda subir janela à cima , pelo lado de fora do prédio da rua Afonso Pena, na Tijuca. Aplausos na pracinha, na rua, no prédio, no apartamento. Vovó morreu e herdamos o piano. Vendemo-no. Ele foi morar numa cobertura na Atlântica. Depois, foi para o Horto e por fim voltou para a Atlântica. Perdi o contato com aquele piano da vovó, mas, cravado em sua tampa está o nome dela para sempre, Honorina Silva, até que alguem retire a plaquinha e, por fim, os dois se separem de vez.

Assisti ao espetáculo No Piano da Patrôa, no Centro Cultural Correios, do Rio, que conta a história de um piano. Antigamente, este instrumento musical era o mais popular e vários artistas de nome como Sinhô, Villa Lobos, Ernesto Nazareth, Chiquinha Gonzaga - vários outros - costumavam participar de saraus em torno do instrumento. Assim também acontece na peça. O piano é a estrela e o protagonista da peça. O texto, as musicas, os arranjos e a direção musical da peça é do apaixonado Roberto Bürgel. Tão apaixonado que vemos nos seus olhos o brilho da alegria em poder dividir sua paixão pelo piano com a platéia.

Mas a paixão as vezes causa tropeços que podem macular a imagem dos enamorados. Quantas vezes não damos presentes de mais, abraços excessivos, falamos coisas q nao deveríamos, tudo porque estamos apaixonados? Pois No Piano da Patroa tem miseros, pequeninissimos, "senões" que se consertados (ok, isto é a minha opinião) podem trensformar o namoro em casamento eterno. Por vezes temos um pianinho a mais durante uma fala atrapalha um pouco. Fala é fala, não precisa de sonoplastia. E o piano acaba atrapalhando. Outra situação é o casamento letra-musica. Em determinada canção, se nao me engano a primeira, os atores-cantores correm tanto com a letra, pra caber na musica, que perdemos parte do que estão falando. Por fim, a musica inicial da peça é um pouquinho longa. Bobagem minha? Tomara.

O cenário é excelente. Palmas para Natália Lana. Um piano visto de cima preenchendo o palco. A cenografia tira proveito de teclas para se transformarem em estantes, banco, mudando o cenário. Lindo. O figurino do Nello Marrese é bem de acordo com a época. Mas atenção ao alfaiate que confeccionou as calças dos atores, pois estão com um saco de batatas entre as pernas. Fora isso, é um lindo figurino, harmônico, elegante. E a luz do Rogério Wiltgen, como sempre, perfeita, tirando partido das teclas do piano e iluminando o piano da patroa por dentro com várias cores.

Falar da competência dos atores seria redundante. Todos estão bem em seus papéis e eu detaco a atriz que faz a patroa e a atendente da biblioteca (ou seria loja de partituras?). Parabéns aos atores pela dedicação e o belo trabalho harmonico do conjunto.

A direção da Lena Horn é leve e arruma a casa com carinho. Atenção em algumas marcas, pois vi atores falando em direção à platéia quando estavam conversando entre si... se estao falando um com o outro, olhem-se!

E sem sombra de duvida é a direção de movimento da Regina Miranda quem tem um brilho especial neste espetáculo. Palmas para a cena do momento Charleston quando se homenageia o cinema. Sem falar na harmonia de gestos e coreografias dos atores no palco. Palmas de pé.

No Piano da Patroa me emocionou pela paixão do autor Roberto Bürgel pelo piano. E me fez ficar mais um tempo ao lado da minha avó que já partiu para tocar outros pianos no céu. É um belo espetáculo, que eu gostei, um bom divertimento. Eu recomendo a todos para assistirem.

Abraços!

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