segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

Macbeth



FONTE: O GLOBO

Aderbal Freire-Filho quis fazer uma roda de leitura. O tema era poesia e prosa poética, e os atores que estavam na roda levaram Manuel Bandeira, Drummond, Leminski, alguns franceses. Daniel Dantas leu Cummings em inglês. Renata Sorrah não deixou por menos, e foi de Goethe no original, afinal ela fala alemão. Então, o grupo passou para Shakespeare. As leituras foram o modo escolhido pelo diretor de romances em cena como "O que diz Molero" e "O púcaro búlgaro" para iniciar a preparação de seu elenco em "Macbeth", montagem que estreia dia 15 no Teatro Tom Jobim, dentro do Jardim Botânico. Nos dias 8, 9 e 10, haverá ensaio aberto, a R$ 10. A obra traz Daniel Dantas no atormentado papel-título às voltas com um assassinato, e Renata Sorrah de Lady Macbeth, a manipuladora mulher que ajuda a atormentá-lo.

A encenação desta obra de Shakespeare é projeto antigo de Dantas, que, para a direção, convidou Freire-Filho, com quem já trabalhara em "Tio Vânia". Calhou de o convite chegar próximo a outro trabalho recente do diretor na seara de Shakespeare, "Hamlet", protagonizado por Wagner Moura.

- Foi bom os dois projetos terem vindo juntos. Mergulhei no universo de Shakespeare para "Hamlet" e pude continuar nele com "Macbeth" - conta Freire-Filho, na sua terceira experiência como diretor da obra do autor inglês, a primeira foi "As you like it", em 1985. - Comecei a ver já na tradução (que ele fez com João Dantas, filho de Daniel Dantas) essa vantagem de emendar os trabalhos com Shakespeare. Ter traduzido "Hamlet" me deu confiança para a tradução de agora. Pude me armar de ferramentas, de um glossário shakespeariano. Comecei a ter uma certa intimidade com a palavra de Shakespeare, que é uma palavra de metáforas, e generosa, porque permite vários níveis de leitura. Você percebe claramente que ele usa mais de um adjetivo para definir a mesma coisa: um adjetivo é para um público mais popular, outro, para uma plateia mais culta. O discurso dele é simples sem ser simplificador.

Nem coloquial, nem reverente

Peça 'Macbeth', com direção de Aderbal Freire-Filho e os atores Renata Sorrah e Daniel Dantas. Foto Divulgação

É daí que vêm, para Freire-Filho, os problemas de tradução que muitas vezes acometem a obra shakespeariana: querem traduzi-la levando em conta apenas um desses níveis de leitura, o supostamente mais culto, porque um dramaturgo importante como ele não poderia apenas contar uma história.

Para o diretor, porém, Shakespeare, o autor popular de seu tempo, era justamente um contador de histórias. É esse tom mais simples que Freire-Filho procura nas suas montagens do dramaturgo:

- O verdadeiramente culto e sofisticado é isso. Durante as apresentações de "Hamlet", o que eu mais gostava de fazer era ver, do fundo da plateia, o público tomar poesia na veia ao ficar ligado nas voltas daquela história.

Chegamos à poesia na roda de leitura lá do início. Freire-Filho considera que a palavra de Shakespeare também é poética e, por isso, quis acostumar o elenco de "Macbeth" com essa linguagem. Principalmente, quis que eles se habituassem a dizê-la sem declamação, para que não a tratassem "nem de forma coloquial, nem de forma reverente".

Outra forma encontrada por Freire-Filho para expressar sua visão de Shakespeare foi pela cenografia, assinada por Fernando Mello da Costa (reeditando uma parceria com o diretor que já ocorrera em peças como "As centenárias", "Moby Dick" e "Sonata de outono"). A equipe aproveitou o espaço amplo e pouco tradicional do Teatro Tom Jobim ("É um erro, mas sempre parto do teatro onde vou estrear para criar o conceito da obra; depois eu resolvo o que fazer se tiver de ir para outro lugar", afirma o diretor) para desenvolver um cenário formado por quatro palcos de 3 x 2m cada. As cenas transcorrem tanto em cima desses tablados quanto nos corredores entre eles.

Além disso, os atores sobem e descem dos quatro palcos por meio de cadeiras postas na hora por outros atores que não estejam naquela cena. Essa participação do elenco na ação, mesmo quando não está interpretando, é uma característica do trabalho de Aderbal Freire-Filho que já estava presente em "Hamlet" - onde todos os atores permaneciam sempre à vista da plateia - e mesmo antes dele, na fase dos romances em cena (livros levados para o palco):

- É um jogo de ilusão, que faz com que o público reconheça quando o ator é esse ou aquele personagem, e quando ele é ele próprio. Busco isso desde antes dos romances em cena, mas foi algo que aprimorei neles. É a consciência da ilusão, que, para mim, é a natureza do teatro. O palco naturalista é completo em si, o cinema também. O teatro, para mim não naturalista, é o que só se completa com a imaginação do espectador. Só se realiza com ela.

Nenhum comentário: