sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

AS TRAÇAS DA PAIXÃO

Não sei se sou privilegiado, mas sonho todas as noites. Em cada sonho, uma aventura diferente. Ora fujo de um bandido, ora de uma polícia, procuro por alguém, dou risadas e acordo rindo, choro pela morte de alguém (e algum tempo depois sempre morre algum conhecido meu... premonição?), me atiro de um prédio e acordo num salto sobre a cama. Os sonhos q eu mais gosto são aqueles que eu alço vôos pela janela. Voando alto, ou perto do céu, estou a dois passos do paraíso.

Será que, assim como eu, a casa dos meus sonhos é sempre a casa da minha infância? Por que eu nunca sonho com a minha casa atual? É sempre lá, onde eu passei meus 30 anos. Depois, mudei-me pra sempre para a Zona Sul, mas meus sonhos são tijucanos... Noite passada, por exemplo, sonhei que pegava um barco, viajava até Cabo Frio, mas desembarcava na minha casa de Iguaba, que era o apartamento da Tijuca. Céus! E os personagens? Mamãe apareceu, trouxe uma amiga, que foi-se embora com o capitão do barco. Mamãe pegava sol na praia de Cabo Frio, que de fato era a lagoa de Iguaba e eu insistia que deveríamos entrar, pois um terremoto estava para acontecer. E nós corremos para dentro da casa (o apto da Tijuca) e ficamos aguardando o tal número da escala Richter. Aí, quando o terremoto veio, eu acordei aos pulos. Dizem que são os músculos relaxando. Sei lá. Tudo muito louco.

Pois não é que me vi dentro de um sonho ao assistir ao espetáculo "As Traças da Paixão"? É um sonho louco, uma brincadeira sobre uma verdade possível. Uma história tipo sessão da tarde com final feliz e o bom e velho The End. Alcides Nogueira, responsável por várias peças de teatro e programas de televisão, assina este sonho, esta loucura possivel, este devaneiro divertido.

A direção de Marco Antonio Braz entende que o caminho é da loucura do sonho gostoso e deixa os atores a vontade para criarem seus personagens e conduz o espetáculo para esta brincadeira gostosa. A utilização de todo o cenário pelos atores, a brincadeira com o teatro infantil e o teatrão das antigas e mal intrepretado, levam o espetáculo ao divertimento, principalmente ao divertimento dos atores.

O cenário e o figurino da Juliana Fernandes, junto com a direção de arte de Maíra Knox, são bem interessantes. Gosto muito do cenário do bar e principalmente da porta do bar que vira armário no quarto. Achei lindo o espelho com a luz embaixo iluminando o momento em que a princesa da rússia aparece no "sonho" dos persoangens. Só acho um pouco carnavalesca a entrada triunfal, quase no fim da peça, da propria princesa (ou seria rainha?) da rússia num carro alegórico totalmente carnavalesco e andando no palco, empurrado por um contra-regra. Não precisa. A menos que isto fosse um elemento existente no cenário, onde o palco, a alegoria, aparecesse, tipo o armário. Já o figurino é confortável e combina com o cenário do bar e do quarto, mas a camisa vermelha (rosa?) do ultimo terço da peça em diante nao combina com nada que se veio apresentando até aquele ponto. Ainda destaco o dorso nú do Maurício Machado que nao é necessário. Mas, como tudo é um sonho bom, cada um que sonhe de acordo com o seu inconsciente!

A luz do Roberto Cohen e Célia Pagan é LINDA. As vezes se faz de cenário, como na cena do galinheiro. Lindo. Divertido. Palmas para a criação e operação da luz. Destaco ainda o vermelho da gaiola do tamanduá. Lindo mesmo. A trilha sonora de Tunica pontua o sonho com belas canções, mas, já que é um sonho bom, senti falta de pequenos barulhinhos que ajudam a criar a comédia.

E são os atores os que mais brincam com este sonho. Lucélia está 100% à vontade. Se entrega, se distrai, abraça o personagem, sem medo de errar, "se joga" com prazer no sonho louco do bem que é este texto. E não menos importante, o Maurício Machado encara seu personagem como se fosse uma realidade possível. Ele fica bem mais a vontade quando entra no galinheiro e daí segue a loucura até o fim da peça, mas até chegar a este ponto, ele pode, e deve, brincar mais, se jogar mais, deixar este sonho bom tomar conta da história, e largar um pouco de mão a verdade com que interpreta o seu Paco inicial.

"As traças da paixão" é um grande sonho bom, uma sessão da tarde divertida, caprichada, onde, assim como os sonhos, pode ser que ao acordar você se lembre dessa história por pouco tempo. Mas se voltar a dormir, pode ser que a história continue no seu inconsciente, com outros personagens, outros nomes, outros finais felizes.

Um espetáculo divertido.

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